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Post Info TOPIC: Senhor P


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Senhor P


Este fim-de-semana morreu gente.
Foi um fim-de-semana prolongado e a morte aproveitou para fazer, de uma vez, uma varredela.


Foram, de uma assentada, personalidades com que cresci, gente que, de uma forma ou outra, por afinidade ou contradição, moldaram muito do que sou hoje.


Vasco Gonçalves, homem de Abril, militar que acreditou na política, na mudança social, no caminho para o Futuro… de uma ou outra forma, não vou criticá-lo aqui.
Foi, antes de mais, um Homem que acreditou ser possível, traçou o caminho e tentou percorrê-lo.


Álvaro Cunhal, o último bastião da Revolução Socialista.
Sobre este Homem é complexo falar.
Anti-fascista lutador, 12 anos de prisão – oito dos quais em isolamento –, uma vida dedicada à Causa.
Sem lucro próprio a não ser o de ver a História fazer-se, também, pelas suas mãos.
Homem político, escritor, pintor, entre muitas outras complexidades decerto desconhecidas pois nunca se fez conhecer.


Eugénio de Andrade, o Homem que cantou as Mães e as vísceras, o amor e os fluidos, a morte e a carne sempre com o mesmo timbre de quem vê ao longe.
Escreveu, antes de mais, o contacto com o maravilhoso que é a vida na sua mais bruta essência.


Todos eles morreram, todos eles vão ser, de certeza, saudade no coração de muitos.


Mas houve mais mortes.
O Sr. P, meu vizinho, morreu.


O Sr. P era homem na casa dos 60, andava pela vida com vagar – ultimamente empurrando o carrinho de bebe do seu neto rua acima, rua abaixo –, nem sequer recordo de alguma vez tê-lo ouvido falar.
Calculo que não tenha nunca saído dos limites da rua.
Era apagado, estranhamente apagado e só passados para aí 10 anos de viver onde vivo é que comecei a cumprimentá-lo com um “bom dia” a que ele me respondia, às vezes, com um ligeiro acenar de cabeça.
O que sei do Sr. P? Mais nada.
Via-o a levar o neto, a dar comida aos cães vadios, sentado à sombra na rua com o seu banquinho… nada mais.
Creio que, algures cá dentro, o desprezava.


Pois bem: sexta, dia 10, o Sr. P foi ao bar da Fanfarra (a minha fonte de arrelias e desesperos), calculo que falar com alguém ou simplesmente tomar um café (acho que também nunca o vi a tomar café), saiu e dirigiu-se a casa.
Lá chegado, enforcou-se.


Não sei mais pormenores.
O Sr. P, durante algum tempo há-de viver ainda nas nossas consciências.
Na dele, não.
A dele deixou de existir.


Porquê um enforcamento?
Porquê o suicídio?
Não sei.
Acho que nunca vou saber, nem sei se quero.


Fico assim, a pensar quem seria realmente o Sr. P.
Acho que, tarde demais e sem saber exactamente porquê, começo a mudar a minha opinião sobre ele.
Afinal, o homem pensava, sentia, vivia… já não.


Não tentou o suicídio, executou-o.
Não se salvou, não foi salvo.


Adeus, Sr. P.


CT



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