Login de Membros
Nome 
 
Senha 
    Lembre-me  
Post Info TOPIC: Debaixo de um fogo a roçar o céu


Grande Administrador

Estado: Offline
Mensagens: 259
Data:
Debaixo de um fogo a roçar o céu




 


Debaixo de um fogo a roçar o céu senti a súbita saudade de cheiros de menino quando, sentado no banco de madeira, ouvia um fado, sempre o mesmo, e me deixava assim embalar pela voz entrecortada por ruídos de tachos num frenesi demorado, antecipando o jantar.


 


Chorei e pedi aos Deuses que me dessem fortuna para conseguir lá chegar uma outra vez.


 


O barulho das vozes que me rodeavam era aquele que nos assalta no fim de um pesadelo, naquela altura mesmo antes de acordar, e chateava.


 


Debaixo daquele fogo deixei a minha mente e a minha alma rodopiarem sinistramente em volta de mim até me conseguir encontrar no meio de um suicídio público, daqueles em que se poderia bater palmas ao mortificado actor de tão trágica comédia e, tentando apalpar algum conforto senti então as pontas dos dedos tacteantes encontrarem carne como a minha e virei o meu corpo, sorrindo, preparando o beijo que me iria levar de volta.


 


Reparei então que a cara que tinha em frente a mim não era a que esperara encontrar.


 


Esta tinha um esgar que outrora poderia ter sido um sorriso mas que não o era já e olhava-me fixamente com os olhos emoldurados pelo vermelho velho do sangue misturado com o pó.


 


Tentei ignorar o ruído que me rodeava e voltar àquela cozinha da minha infância, desesperadamente tentei levantar-me e sair correndo mas não consegui: uma barra toldava-me os movimentos.


 


Era uma barra metafísica, uma barra que não se sujeitava aos baixos desígnios da Natureza e que nunca mais na minha vida se iria separar de mim.


 


Só muito mais tarde soube que o carro armadilhado tinha morto mais 29 pessoas além de mim.


 


Agora sorrio toda a minha tristeza e canto só para mim o fado que tão cedo aprendi.


 


Eu quero amar  


amar perdidamente 


Amar, só por amar é que há lei 


Mais este, aquele outro e toda a gente


 


Amar  


amar e não amar ninguém


 


Longa é a espera neste vazio que confronto com indiferença e a morte já não é um estorvo pois aprendi a esperar por companhia.


 


Alguém que me faça a vontade e me lembre como eu era pois a memória já me escapa.


 


Cedo aprendi que não podemos esperar que exista paz no mundo dos vivos mas, neste que habito agora, a paz está também ausente e a angústia de ver vezes sem conta corpos trucidados pela estupidez é constante.


 


Se tornar a morrer, quero morrer feliz.


 


CT


 





__________________
Free Image Hosting at www.ImageShack.us PAZ. CT


Curioso

Estado: Offline
Mensagens: 29
Data:

Nunca por aí passei, e ainda continuo na minha cozinha a ouvir a "voz entrecortada por ruídos de tachos num frenesi demorado, antecipando o jantar", ainda estou na fase em que começo a ter conta da realidade que me rodeia, e espero por aqui ficar muito e muito tempo, porque talvez assim eu possa morrer apenas uma vez e feliz.




__________________


Maçarico

Estado: Offline
Mensagens: 46
Data:

MESTRE!...


Palavras para quê?


 


Para isto mesmo.


 



__________________
Kaijyû Kyôdai
Página 1 de 1  sorted by
 
Resposta rápida

Faça o loggin para postar respostas rápidas

Tweet this page Post to Digg Post to Del.icio.us


Create your own FREE Forum
Report Abuse
Powered by ActiveBoard