O mercado global da batota epifenómeno Apito Dourado é só uma amostra da realidade sórdida do futebol mundial Da Alemanha à China, da Itália à República Checa, redes mafiosas contaminam árbitros e põem o espírito do jogo em leilão
Almiro Ferreira
O"Apito Dourado" é só um dos muitos tumores da corrupção, suspeita ou já diagnosticada, que gangrena o futebol, no Mundo e, principalmente, na Europa, que é onde a "indústria", como agora se chama ao "beautifull game", movimenta somas de dinheiro inauditas. Entre jogadores subornados, pequenos ou grandes arranjos e árbitros corrompidos por sistemas mafiosos, sobretudo o das apostas, é o espírito do jogo que está em causa, em Portugal como na República Checa, na África do Sul, na China, no Vietname, na Alemanha, na Áustria, na Grécia, na Itália, na Polónia, na Bélgica Sempre com um denominador comum na maior parte dos casos a fraude pelo acesso às receitas (TV, patrocínios ), mais do que a busca da glória ou dos troféus desportivos.
Budapeste, Outubro de 2004 os ministros dos Desportos da União Europeia, reunidos em conferência, alarmam-se com "os riscos de não desporto", alegre eufemismo usa- do na declaração final da reunião em referência aos crescentes sinais de fraude desportiva, sobretudo no futebol. A UEFA e a FIFA já não disfarçam o incómodo com a judicialização do futebol e com a sucessão de escândalos de corrupção, na arbitragem e não só. O processo português do "Apito Dourado" é uma pequena amostra: na República Checa e na África do Sul, árbitros e dirigentes acusados de corrupção comparecem perante os juízes; na Bélgica, o Charleroi é acusado de ter subornado jogadores de outros clubes para poder manter-se na primeira divisão, na época passada; em Itália, vários árbitros e clubes são suspeitos de alinhar nas apostas controladas pela Camorra; na Alemanha, o já célebre "caso Robert Hoyzer", também relacionado com o negócio das apostas, é mais um exemplo do estádio supremo da batota.
A 27 de Janeiro último, Robert Hoyzer reconheceu ter truncado, à força de cartões vermelhos e de penáltis imaginários, os resultados de quatro jogos da taça e do campeonato da Alemanha. Aos 25 anos, este génio do apito agia por conta da máfia croata, da qual recebeu 70 mil euros, para influenciar resultados e apostas. Contudo, a história de Hoyzer não é única nem a Alemanha o único país onde os relvados são um campo minado pela fraude.
"Peixinho" checo
Os escândalos que abalam o futebol checo e sul-africano são os que mais se assemelham com o processo "Apito Dourado". Foram as inconfidências ao telefone que deram com a tramóia a corrupção no futebol checo era um segredo de polichinelo, até que, em 2004, as escutas da Polícia apanharam em flagrante um vice-presidente da federação checa, também presidente da comissão de árbitros, a prometer "boas nomeações" a um dirigente do F. C. Synot, que assim conseguiu chegar a um lugar na Taça UEFA deste ano, mas que não chegou a disputar, porque a marosca foi descoberta e o clube penalizado. O F.C. Synot, entretanto rebaptizado F.C. Slovacko, foi punido e teve de começar o campeonato 2004-2005 com 12 pontos negativos. A duas jornadas do final, vai em antepenúltimo e em riscos de descida de divisão.
Também na República Checa, o peixe morreu pela boca, de forma figurada e literal. As escutas da Polícia apanharam sete árbitros a pedir "peixinho" (nota de mil coroas checas, cerca de 38 euros) aos dirigentes que lhes solicitavam bons serviços. Foi assim que a investigação policial também apanhou em flagrante tráfico de influência mais dois clubes o renomado Slovan Liberec e o Slezsky F.C. Opava, ambos punidos com seis pontos negativos à partida da época 2004-2005; e o Liberec vai em sétimo lugar, a cinco pontos do segundo, o Teplic, que luta pela presença na pré-eliminatória da Liga dos Campeões (o Sparta de Praga sagrou-se campeão mas também está sob investigação).
De recurso em recurso, alegando a ilegalidade das escutas telefónicas, os advogados que defendem os árbitros e dirigentes vão adiando a sentença criminal, que a desportiva já transitou, com a irradiação dos suspeitos (a moldura penal para o crime de corrupção desportiva na República Checa prevê até dois anos de cadeia). Enquanto isso, na sequência do escândalo, o presidente da federação, Jan Obst, e todo o restante elenco demitiram-se em bloco. Sucedeu-lhes o ex-futebolista internacional Ivan Hasek, que se propõe dar "uma vassourada" na corrupção e recuperar a imagem do futebol no país do Bola de Ouro Pavel Nedved. Hasek terá, ainda, de recuperar os patrocínios do campeonato o maior investidor, a cervejeira checa Gambrinus, ameaça rescindir o contrato (1,8 milhões de euros); a Volkswagen, que sponsoriza a Taça, nem esperou pelos tribunais para quebrar o acordo. "Já perdemos 20 milhões de coroas (670 mil euros) em direitos televisivos", queixa-se a federação checa.
Na África do Sul, a Polícia prendeu uma dezena de árbitros da primeira e da segunda divisões, todos envolvidos numa vasta rede de corrupção, ainda em julgamento. As primeiras detenções ocorreram no preciso dia em que a FIFA atribuiu ao país africano a organização do Mundial de 2010 e em que Nelson Mandela erguia, em Zurique, a Taça do Mundo Para evitar a triste coincidência, a Polícia queria adiar a "operação dribble", mas um fuga de informação para os jornais precipitou-a, conduzindo à detenção de 21 pessoas, entre as quais 16 árbitros (três com insígnias da FIFA) e dois dirigentes do Bush Bucks, clube que subiu, na época passada, à primeira divisão.
A imprensa sul-africana explica a corrupção da arbitragem com dois motivos a enorme disparidade financeira entre a primeira e segunda ligas e a baixa remuneração dos árbitros. Os clubes da segunda divisão invejam os da "Premier League", que têm receitas televisivas e quatro torneios, cujo vencedor embolsa um milhão de euros. Daí que seja uma tentação "investir" em árbitros que ganham mil rands (133 euros) por jogo e que facilmente se deixam seduzir por ofertas que chegam a ser dez vezes superiores aos seus salários na vida "civil". Ainda segundo os jornais da terra de Benni McCarthy, o "peixinho" dos árbitros detidos variava entre nove mil rands (1180 euros) e 15 mil rands (1900 euros).
Ai, o ideal olímpico grego...
O cancro das apostas e da corrupção no futebol alemão terá, ainda, metástases na Grécia e na Áustria, países onde as autoridades têm clubes, dirigentes, jogadores e árbitros debaixo de olho. Na Grécia (berço do ideal olímpico...), o presidente do organismo público das apostas desportivas, Anestesis Phillipidès, foi obrigado a demitir-se por lançar, sem provas, suspeitas de corrupção sobre os árbitros do principal campeonato. A Justiça grega abriu, contudo, uma vasta investigação, porque desconfia que o "caso Hoyzer" tem ramificações na liga local.
Em Itália é que não há dúvidas dois árbitros estão suspensos por alegado envolvimento na adulteração de resultados para o "Totonero", sistema de apostas clandestinas controlado pela máfia napolitana; outras 15 pessoas, incluindo cinco jogadores de equipas da segunda e terceira divisões, são também suspeitas de colaboração com a Camorra; a investigação, aberta em Maio do ano passado, parece estar em banho-maria, e ninguém sabe até onde pode chegar. As sedes de vários clubes - Ascoli, Catanzaro, Crotone, Fermana, Lumezzane, Piacenza, Sassari Torres, Taranto, Chievo Verona, Lecce, Siena e Reggina - foram perquiridas pelas autoridades judiciais.
No Extremo Oriente, onde apostar é quase um acto cultural, do kickboxing à luta de galos, o futebol também não escapa ao flagelo. No Vietname, "comprar" árbitros é uma prática quase institucionalizada. Na China, uma equipa, o Beijing Hyundai, tomou uma atitude radical em Outubro, abandonou o campo num desafio com o Shenyang Jinde e, três dias depois, abandonou o próprio campeonato, em protesto contra "os árbitros comprados pelos adversários ou cúmplices das apostas clandestinas", fenómeno que agita o campeonato desde que a China aderiu ao futebol profissional, em 1994.
Após uma primeira reunião de crise, a federação chinesa convenceu o clube de Pequim a voltar a jogar. O Hyundai foi penalizado com três pontos e o árbitro do jogo com o Shenyang foi suspenso. A desconfiança, contudo, continua e outros clubes ameaçam abandonar a competição.
Bélgica e Polónia em alarme
Na Bélgica, também soa o alarme. Quando foi despromovido, na época passada, o Antuérpia denunciou às autoridades que o Charleroi, concorrente pela manutenção na primeira divisão, tinha aliciado jogadores de outra equipa. O processo foi arquivado, por falta de provas, mas o Ministério Público belga acaba de o reabrir o presidente do Charleroi foi detido e acusado de ter aliciado jogadores e o treinador do Saint Trond para que estes facilitassem o resultado com o próprio Charleroi e para os estimular com um prémio de vitória no desafio com o Antuérpia (o estímulo a terceiros constitui crime de corrupção desportiva, na Bélgica como em Portugal). O treinador do Saint Trond, Jacky Mathijssen, que, entretanto, se transferiu para o Charleroi, processou o ex-patrão, por difamação.
O alegado caso de corrupção na Bélgica é idêntico ao que conduziu à irradiação de seis jogadores polacos do Nowy Dwor, acusados de terem "vendido" um jogo ao Garbania Jaworzno, entretanto despromovido à segunda divisão. Foi o guarda-redes do Nowy Dwor, também envolvido na fraude, quem denunciou o "negócio" às autoridades, desportivas e criminais, tendo, por isso, beneficiado do estatuto de arrependido (foi suspenso por um ano).
E assim vai o reino do "foot-business", que põe em causa os princípios básicos da própria cultura do futebol, cada vez mais submetida à (i)lógica mercantilista que o amarfanha. E estes são apenas os casos mais conhecidos de assalto à verdade desportiva, não fosse a corrupção, por natureza e definição, um acto oculto Ainda têm dúvidas em relação ao "Apito Dourado" aqui em Portugal?
O que me leva a pensar na real existência do desporto como tal...
Em que medida pode e deve ser o desporto profissionalizado?
Em que medida deve a competição ser paga?
Qual o fundamento das apostas?
O desporto, celebração da amizade, da competição saudável, da camaradagem, da equipa, da pertença comum... deixou de o ser.
É, antes, um ambiente de conflito, de vitória a qualquer custo, de pessoas pagas a peso de ouro para fazerem o que lhes mandam... é podre - e nem os jogos olímpicos escapam, nem os "amadores" conseguem fugir à ditadura dos números, do dinheiro... enfim, podre.
Tenho plena consciência que irá mudar, mas com toda a certeza não será para melhor!
Acho que te esqueceste de fazer referência a duas coisas que ainda são piores: aqueles que não ganham nada com o desporto, a não ser um passatempo para uma vida sem grandes objectivos, são os que discutem e se insultam uns aos outros, defendendo a cor do seu clube com unhas e dentes chegando mesmo a utilizar a violência.
Leram o artigo no Montro acerca do Briosa? Ainda vamos ver a Aida no intervalo dos jogos... então, é claro!!! Temos que pagar... ("temos" é força de expressão...)
Entretanto, cá vamos vendo o Zé Povinho alimentado a pão e circo entre cinzas...