Login de Membros
Nome 
 
Senha 
    Lembre-me  
Post Info TOPIC: O Mundo a Cores


Grande Administrador

Estado: Offline
Mensagens: 259
Data:
O Mundo a Cores





O Mundo a Cores - 25 de Abril de1974

II Parte de O Mundo a Preto e Branco

A páginas tantas o Senhor Director veio à nossa sala da 4ª Classe no Externato S. João Bosco, em Matosinhos, segredou à Senhora Professora que, atarantada nos levou para a Sala Principal (aquela onde aos Sábados íamos ver slides sobre a vida de S. João Bosco e dos missionários) e aí nos fez sentar.
Consternada, fez o anúncio do dia: “Meninos, hoje sucedeu uma coisa e vocês vão ter que fazer tudo o que eu disser” – o Senhor Director andava para um lado e para o outro, nervoso e esfregando as mãos – a Senhora Professora continuou: “Vou ligar agora aos vossos paizinhos para vos virem buscar… vocês não saem daqui e prometem que não abrem a porta a ninguém, está bem?”
Assentimos em uníssono enquanto eu, preocupado por não ter telefone em casa, não sabia exactamente o que fazer.
Tudo se passou rapidamente a partir daí – os pais começaram a chover em catadupa e ai meu Deus agora o que vai ser, desculpe Senhora Professora mas se calhar o meu menino amanhã não vem… é capaz de ser perigoso – e eu à espera.
Ganhei coragem – juntei-me ao Farinha que já tinha para aí uns 12 anos – e fomos os dois perguntar o que se passava.
A Senhora Professora fez um sinal com o indicador junto aos lábios “Chiu” e segredou: “Houve uma coisa… os tropas prenderam o Senhor Presidente do Conselho…” e logo jovial: “Mas não se preocupem, Deus Nosso Senhor há-de nos proteger!

Entretanto chegou o meu Pai, vinha a correr desde a tipografia.
Aparentemente tinha sabido da notícia pela rádio.
Deu-me um beijo e fomos de mão dada, à presa, para casa.
Pai, o que se passa?”
O meu Pai, sempre a andar disse, com alguma excitação: “Houve uma Revolução.”
Chegados a casa ligamos a televisão.

Barbudos, cabelos grandes, boina mal posta, abraçavam-se à população nas ruas – as chaimites, meu Deus, as chaimites eram a menina dos meus olhos – haviam cravos e as pessoas riam.
Nunca tinha visto algo assim.
Caíam gavetas, secretárias e papéis de janelas e o meu Pai dizia-me “Vês, ali era a PIDE…”.
O que é a PIDE?”. O meu Pai, já um pouco cansado explicava: “É a Polícia que andava os antifascistas para o Tarrafal, até os torturava… eram como cães…” , e eu pensava como nunca tinha sabido dessas coisas.

Ó Pai, mas o que andam os soldados a fazer na rua? Porque é que eles têm cravos nas armas? Porque é que há festa? Porque…”
É a Liberdade! É a Liberdade, filho.
Fiquei sem perceber.
Então os meus Pais sentaram-se comigo e com o meu irmão e explicaram:
Liberdade é poderes falar como quiseres, saíres à rua e dizeres a tua opinião, poderes ser quem quiseres. Até ontem, não podias fazer isso senão ias preso. Há gente que, por ser contra o Governo, ia para ao Tarrafal e era torturada, mesmo morta…
Fiz contas rápidas.
Gostava dessa palavra: Liberdade.
Fiquei nesse momento a saber que não a tinha, que ia passar a tê-la.
Gostei da sensação.

Fiquei a saber palavra novas: Fascismo, Comunismo, Socialismo, MFA – esta que tanto repeti, quase até à exaustão – coleccionei os autocolantes de quase todos os Partidos, e eram tantos!

Fiquei também a saber que não iria para o Ultramar que já me tinha levado dois primos e isso, só isso, chegou para eu acolher efusivamente as notícias.

A Senhora Professora acolheu-nos no dia seguinte com um ar estranho.
Tudo bem, estávamos em Democracia - outra palavra nova – mas tínhamos que ter cuidado com algumas coisas:
Não renegar a Deus, ter respeito ao Pai e à Mãe, e sobretudo, muito cuidado com os Socialistas e com os Comunistas pois esses eram perigosos.
Deu-nos uma receita prática: Todos os partidos que tivessem a cor vermelha eram comunistas e eram perigosos – até matavam os velhinhos com uma injecção atrás da orelha e roubavam os filhos aos pais – por isso, não queria que ostentássemos autocolantes, cartazes, fosse o que fosse dessa cor.
O Senhor Director deu-nos um sermão logo de seguida.

Já iam tarde.
Eu e o Quim olhávamos um para o outro e cúmplices, afagávamos uns autocolantes que, por debaixo da camisa tínhamos colado à pele…

Agora, já sem autocolantes e desbotado de algumas cores, olho para o mau filho e para os filhos dos outros, vejo a sua reacção quando tento explicar tudo o que senti aos 10 anos no 25 de Abril.
Fico acabrunhado quando reparo que estou a falar de um assunto “fora de moda”.

Fico ainda mais acabrunhado quando vejo que será impossível tornar a acontecer.

Bem hajam.

25 DE ABRIL – SEMPRE!

CT



__________________
Free Image Hosting at www.ImageShack.us PAZ. CT


Curioso

Estado: Offline
Mensagens: 29
Data:

Por muita história que se estude, por muitos anos de faculdade ou de liceu, nunca ninguém conhecerá o 25 de Abril como quem passou por ele!!!


Assim resta-me a mim e aos outros que não passaram por ele, ler e ouvir estes relatos que nos fazem imaginar como terá sido, imaginar os diferentes cenários,....




__________________
Página 1 de 1  sorted by
 
Resposta rápida

Faça o loggin para postar respostas rápidas

Tweet this page Post to Digg Post to Del.icio.us


Create your own FREE Forum
Report Abuse
Powered by ActiveBoard